:: Por Enio Miki ::
Quando uma autoridade, seja de qualquer País, resolve tentar
implantar algum mecanismo que permita monitorar o que os cidadãos fazem na
Internet, volta à tona uma discussão que parece não ter fim: o direito à
privacidade e a liberdade de expressão na web. O grande dilema está em querer
se manter anônimo em um cenário no qual as mídias sociais ganham cada vez mais
adeptos, os quais, por sua vez, não hesitam em se expor à sua rede de amigos.
Ou seja, ser anônimo é, às vezes, uma questão de conveniência.
Não só conveniente, mas necessário, é o anonimato virtual em
países nos quais o acesso à Internet é censurado. Navegar pela web sem ser
identificado já possibilitou a mobilização de milhares e milhares de pessoas em
prol de causas políticas e sociais – a Primavera Árabe talvez seja o exemplo
mais emblemático dos últimos tempos.
Mas como é possível acessar a Internet como anônimo? A
resposta é simples e acessível a qualquer um por meio da utilização de
ferramentas como o Tor, um protocolo de navegação alternativo com “roteamento
cebola” que, ao ser instalado, impede que o servidor identifique o IP do
computador. Desenvolvido pela Marinha dos Estados Unidos, esse projeto, que já
conta com a adesão de mais de 400 mil usuários no mundo, tornou-se uma ONG em
2006 e, desde então, vem sendo aprimorado e atualizado por especialistas que
defendem fervorosamente a liberdade de expressão.
O problema é que ferramentas como o Tor podem ser usadas
tanto para o bem como para o mal, e acabaram criando uma espécie de submundo da
Internet, no qual podem ser encontrados os mais variados tipos de conteúdos, em
especial aqueles tidos como inadequados e até mesmo criminosos, como os
relacionados a pedofilia, venda de informações roubadas por hackers e tráfico
de drogas.
É um mundo digital, mas é bem real. Sem falar que o
anonimato pode ser utilizado para ações caluniosas ou que denigrem a imagem de
alguma pessoa, empresa ou instituição. Esse poder oculto é maior do que se
imagina. Estima-se que a Deep Web, ou Internet Subterrânea, seja cinco mil
vezes maior que a Internet. Os sites ali hospedados mudam de endereço
constantemente e não podem ser encontrados pelos mecanismos de busca
convencionais.
Com o objetivo de cercear esse tipo de ação, algumas leis
estão sendo criadas, além de outras já existentes. Aqui no Brasil, onde o
artigo 5º da Constituição Federal protege a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das pessoas, o projeto de lei do Marco Civil da Internet (PL
2126/11) prevê que a proteção da privacidade e dos dados pessoais seja um dos
princípios para o uso da web.
Alinhado a isso está outro projeto de lei (PL 2793/2011)
aprovado em maio pela Câmara dos Deputados, que criminaliza os delitos
cometidos na Internet, como a invasão de computadores alheios, a violação de
senhas, a obtenção de dados sem autorização, a ação de crackers e a clonagem de
cartões de crédito e débito.
No mesmo mês os deputados federais aprovaram o polêmico PL
84/1999, conhecido como Lei Azeredo, mas com veto aos pontos mais controversos,
como a criminalização dos usuários que compartilham músicas online e a
exigência que os provedores controlassem o tráfego dos usuários na web,
guardando esses logs por um período determinado.
Embora os riscos de uma falta de controle do que se faz na
internet sejam grandes, isto não justifica que o governo de um País tenha poder
para monitorar tim-tim por tim-tim o que as pessoas fazem na rede. Nesse
sentido, o mercado publicitário e de comunicação tem apontado a importância da
autorregulação como o caminho mais prudente e até eficiente, e que já é
aplicada pelos próprios usuários da rede e estimulada pelos provedores. O
debate é complexo, e parece estar apenas no início.
Enio Miki é diretor de Criação e Planejamento da MRM Worldwide Brasil.
(Fotos: reprodução e arquivo pessoal)