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Entenda como funciona a produção de medicamentos genéricos

:: Por Alessandra Goes Alves, da AUN – USP ::

[22/10 – m24h] Comercializados no Brasil há doze anos, os remédios genéricos ainda causam polêmica. Segundo pesquisa divulgada pela Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), 46% dos médicos entrevistados possuem uma visão negativa sobre esses medicamentos. “Dez entre dez colegas meus dizem não ter segurança ao prescrever genéricos", diz o cirurgião vascular Francisco Osse, em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo (24/8). A mesma pesquisa indica, porém, uma aprovação dos genéricos pela população: 83% disseram confiar neles.
É o caso de Bruna Escaleira, universitária de 21 anos: “Tenho colesterol genético e tomo remédio diariamente. Nunca tive problemas com genéricos. Se eu comprasse remédios de marca, pagaria muito mais”. Já a supervisora de ensino Mara Ribeiro, de 42 anos, se diz desconfiada. “Eu sigo as instruções do médico. A grande maioria deles indica remédio de marca, só uma vez fizeram diferente. Dependendo do preço e da indicação farmacêutico me oferece, posso até comprar o genérico”. Érica Kussaba, farmacêutica de uma drogaria diz que, a princípio, apresenta o remédio de marca. “Só ofereço o genérico se o médico receitou”. Ela diz que há muita procura por genéricos, que correspondem a uma média de 80% dos remédios vendidos. “Nunca recebemos reclamações”, afirma Érica.
História – Apresentado pela primeira vez pelo Projeto de Lei 2.022, em 1991, os medicamentos genéricos começaram a ser comercializados no Brasil somente em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Antes da implementação da Lei de Patentes (1997) e da Lei de Genéricos (1999), havia três tipos de medicamentos vendidos no Brasil: os patenteados por outros países, os genéricos e os similares.
Apesar de terem qualidade assegurada pelo Ministério da Saúde, os similares podem diferir em relação ao tamanho e forma do produto, prazo de validade, embalagem, rotulagem, veículos e excipientes (substâncias neutras que completam a massa e o volume dos medicamentos). Um dos principais problemas dos similares é a origem dos excipientes utilizados: é nesse processo que substâncias de qualidade duvidosa podem ser empregadas na formulação do medicamento.
Opinião de especialista – Para Silvia Storpirtis, docente de biofarmácia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, o histórico de similares é um dos fatores que explicam a desconfiança dos médicos em relação aos genéricos. “Criou-se a idéia de que somente os remédios de marca eram confiáveis”. Ela explica a diferença entre os dois: diferentemente dos similares, os genéricos trouxeram a obrigatoriedade dos testes de equivalência farmacêutica e de bioequivalência – o que não era obrigatório para os similares. Esses testes são realizados em centros habilitados junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), responsável pelo controle sanitário da produção e da comercialização de medicamentos e de outros produtos que necessitem desse controle. Silvia Storpirtis trabalhou como Consultora Técnica em Biodisponibilidade e Bioequivalência de Medicamentos da Anvisa entre 1999 e 2006.
Para Silvia, outro fator que explica a desconfiança dos médicos sobre os genéricos são as estratégias de propaganda da indústria dos medicamentos de referência. “Essa indústria promove congressos com a comunidade médica, o que já promove uma publicização dos medicamentos”.
“Cópia de qualidade assegurada” – Após a Lei de Patentes e a Lei de Genéricos, o mercado farmacêutico brasileiro passou a ter estrutura semelhante à de outros países: um segmento de produtos protegidos por patentes e comercializados sob uma marca, outro de produtos cujas patentes expiraram e são comercializados sob uma marca e um terceiro de produtos cujas patentes expiraram e são comercializados sob a denominação genérica. “Ao produzir medicamentos de referência, a empresa desenvolve um novo fármaco. Se produzir também os genéricos, ela registrar o medicamento como genérico, já que o fármaco continua o mesmo”, explica Silvia.
Para a docente, os genéricos são uma cópia de qualidade assegurada dos inovadores. Ela explica o processo de elaboração dos genéricos. Na fase 1, é a primeira vez que se ministra o fármaco (dose pequena) em um ser humano (em voluntários sadios). “Verificamos a farmacocinética do genérico, ou seja, como o fármaco é absorvido, distribuído e eliminado pelo organismo. Vemo também se ele não causa problemas”. Na fase 2, estuda-se a ação do remédio em pacientes com a doença para a qual o remédio está sendo desenvolvido. Na fase 3, realiza-se um estudo multicêntrico (em hospitais) e, a partir da aplicação do genérico, ajusta-se a dosagem do fármaco e se define a duração do tratamento, estabelecendo os parâmetros da eficácia e da segurança do genérico.
“Enquanto as fases 1 e 2 aplicam o genérico a um número reduzido de indivíduos, a fase 3 analisa a ação do fármaco em milhares de pessoas”, explica Silvia. “Realizadas essas etapas, o pesquisador responsável pelo estudo reúne e analisa as estatísticas para estabelecer parâmetros. Depois, a indústria deve elaborar um dossiê sobre esses estudos e apresentar para a agência reguladora (Anvisa, no caso do Brasil). Só então o remédio pode ser comercializado”.
Desvio de qualidade – Segundo Silvia Storpirtis, há ainda a fase 4, chamada de farmacovigilância. “No período pós-comercialização, milhões de pessoas usam o medicamento. Caso sejam confirmadas alterações de desvio de qualidade ou de rotulagem, interditam-se esses produtos e realizam-se contra-provas para confirmar o desvio. Se o erro for confirmado, os lotes daquele medicamento são apreendidos pela Anvisa”. Ela acrescenta que é nesse período que se confirma a eficácia e a segurança do fármaco. “Para possibilitar o rastreamento de qualquer lote de medicamento genérico, a Agência recebe mensalmente das indústrias informações sobre a comercialização (fabricação e distribuição) dos seus produtos”. A avaliação da manutenção da qualidade dos medicamentos genéricos é realizada pela Anvisa em parceria com o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) e a rede de Laboratórios Centrais dos Estados (Lacens).Cada país possui uma agência e estabelece os seus parâmetros de comercialização.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (PróGenéricos), esse tipo de medicamentos correspondem a 56% das prescrições dos EUA e custam de 30% a 80% menos que os remédios de referencia.
Remédios de referência – Silvia Storpirtis explica que os remédios de referência (também chamados inovadores) são geralmente desenvolvidos por multinacionais e são mais caros do que genéricos porque se tratam de novos fármacos. “As empresas inventam um fármaco que, depois, serve de base para os genéricos. O período de desenvolvimento do novo fármaco - desde a síntese da nova molécula, sua transformação em remédio e sua posterior comercialização - pode durar de 7 a 10 anos e é investimento de milhões de dólares. Se investe muito em pesquisas, estudos, testes e tecnologia para a purificação, caracterização e produção do medicamento.”
Para a docente, a importância dos genéricos refere-se à ampliação do acesso da população aos medicamentos de qualidade e mais baratos. A indústria protege os medicamentos inovadores por meio das patentes, que lhes garante o direito de explorá-los comercialmente por um período médio de 15 anos. “Em termos de saúde pública, é interessante fabricar versões genéricas desses inovadores com a mesma qualidade, segurança e eficiência dos inovadores, mas a um preço mais acessível”. Para ela, o Estado deve gerenciar a relação entre economia (e o interesse das indústrias) e saúde pública na busca de um equilíbrio. (Foto: divulgação) 



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