[23/10 - www.mococa24horas.com.br] Após entrevistar dez soldados de uma companhia da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, a psicóloga Erika Ferreira de Azevedo observou
que a proteção da própria vida do policial e seus companheiros é uma das marcas
do posicionamento discursivo dos oficiais quanto ao foco último de seu
trabalho. A pesquisa desenvolvida por Erika, no Instituto de Psicologia (IP) da
USP, buscava, a partir da análise do discurso desses profissionais, entender a
história e posicionamento do policial quanto à sua clientela, hierarquia, o
criminoso e si mesmo a partir de seu próprio ponto de vista.
“Costumamos ver policiais posicionados no discurso externo a
eles”, lembra a pesquisadora. As questões abordadas nas conversas, que
ocorreram no primeiro semestre de 2010, giravam em torno do dia a dia e
situações por eles vividas, bem como a influência do trabalho em sua vida e o
significado de pertencer à PM.
A pesquisadora utilizou um método que, na psicologia, é
chamado de Análise Institucional de Discurso, não interpretando a fala dos
sujeitos, mas constatando a partir dela os lugares ocupados pelos elementos associados
a seu pertencimento e relação com a instituição. “Por meio desse
posicionamento, existem relações reconhecidas e desconhecidas e que mostram um
pouco do policial e da instituição também”, explica.
Clientela e meliante - A percepção demonstrada pelos
soldados a respeito de seus “clientes” não foi única. “A clientela era
classificada, para facilitar o trabalho do PM”, conta Erika. Assim, foi
observada certa diferenciação em duas partes, uma “boa” e outra “ruim”. A
parcela “boa” corresponderia a aqueles que não reclamam e elogiam as ações do
policial, levando-o a uma posição heroica. É uma população de certa forma
despossuída, ignorante e que precisa ser salva pela PM. Os clientes “ruins”,
por sua vez, seriam aqueles que criticassem e se posicionassem contra as ações
da polícia.
Há também uma diferenciação quanto à posição social do
cliente, identificado em dois tipos. Um deles é a pessoa de uma camada mais
elevada e influente da sociedade ou que possuísse algum cargo oficial, que, por
um lado, pode humilhar o policial, mas é um cliente para o qual, quando
identificado, recebe atendimento de acordo com a sua posição. O outro tipo
corresponde à massa popular, na qual também se incluem e se misturam, em um
entendimento bastante confuso, os criminosos em potencial, identificados, por
exemplo, como moradores de comunidades.
Ser policial - “O PM se colocava na posição de alguém que
era um alvo ambulante por ser policial”, relata a psicóloga. Quando
questionados a respeito do tema violência, ela ressalta, os soldados
situavam-se como as pessoas contra quem os atos violentos dirigiam-se. “Sempre
tinham histórias de amigos de farda que sofreram violência.”
Como braço do Estado, a Polícia Militar deve, como função
oficial, zelar pelo bem da população. Apesar de tornar-se um amigo ou herói de
parte desta clientela, também é dela que partem uma série de ataques, sejam
críticas ou ações criminosas dos “meliantes”, contra o policial. Desta forma,
ele se volta para a proteção de si mesmo e de seu “amigo de farda”, como pessoas
que “tem família”, se contrapondo ao meliante que “não tem nada a perder e não
segue códigos”.
Sua autoproteção, no entanto, parece ser dificultada pela
organização hierárquica e pelas regras da instituição. O soldado não pode agir
nos mesmos termos do meliante. “O policial às vezes encontra-se em uma situação
ambígua, deslizando entre o criminoso, por estar à beira de cometer algum
crime, ao mesmo tempo em que é normatizado e corrigido pela hierarquia”, relata
Erika. A hierarquia deixa-os, de certa forma, desamparados em sua defesa.
“Policial se sente na posição de alguém que tem que se defender, mas não pode”,
completa.
O lugar da farda - Os policiais, por sua função de proteção
a sua clientela, a si próprios e aos colegas, apresentam certa noção de “faz
tudo”, o que é “validado pela farda”, que se sobrepõe às outras pessoas e
mostra a influência institucional sobre seu posicionamento. A psicóloga
ressalta que isto não significa que o soldado seja “uma vítima da farda”, mas,
sim, de certa forma a incorpora em sua fala, ações e identidade.
Todavia, a identificação ou não como membros da instituição
varia conforme as situações relatadas. “O policial tem uma relação com essa
farda, de a tirar e a colocar”, resume Erika. A psicóloga destaca o
posicionamento inclusivo quando relacionado a ações e efeitos positivos ao
vestir a farda. Quando, porém, tratam a respeito de questões negativas, os
policiais despem-se da farda e relacionam tais fatos com autores individuais,
criticando generalizações. (Foto: Cecília Bastos/Jornal da USP/divulgação)
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